A Relação entre Neurose, Psicose e Religião Para a Psicanálise

Amanda Aragão
5 min readMar 12, 2021

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Van Gogh | Illustration

Neurose

Freud estabelece que toda neurose é uma “defesa contra ideias insuportáveis”. A ideia de que a maioria dos indivíduos em uma sociedade é portador de diferentes tipos e graus de neuroses era defendida por Freud. Portanto, a maioria de nós é considerado “neurótico” no sentido psicanalítico.

São exemplos de neurose: transtorno ansioso, paranoia e fobias, pessimismo, isolamento social, angústia, melancolia, entre outros. As causas da neurose estão no que é chamado na Psicanálise de “recalque”, que é quando suprimimos e “escondemos” no nosso inconsciente algum sentimento emocionalmente danoso ou trauma — processo realizado pela nossa mente como um modo de “proteção”. A neurose seria a manifestação sintomática desse “recalque” não resolvido.

Já chegou-se a acreditar que as neuroses eram “doenças dos nervos”, daí a derivação de seu nome (etimologicamente surgida a partir de “neuron”, palavra grega para “nervo”). Hoje, temos a compreensão de que uma neurose é um quadro com origem e causa psíquica. A neurose frequentemente provém de disfunções na saúde mental do indivíduo.

Algumas das características de neurose podem incluir:

● estresse emocional;
● conflito interno;
● ansiedade;
● raiva;
● pensamentos obsessivos ou compulsivos;
● impulsividade.

A neurose não interfere de modo significativo na vida do indivíduo ou em sua funcionalidade no meio social. O tratamento de uma neurose requer acompanhamento por análise, mas nem sempre será necessário o uso de medicamentos prescritos.

Psicose

Em um quadro de psicose, o indivíduo tem perda do controle sobre seus pensamentos, emoções e impulsos, sendo esses involuntários. Há dificuldade em traçar diferença entre realidade e ilusões causadas pelo subjetivo (o que é imaginado). Tanto na psicanálise, medicina, psicologia e psiquiatria, a psicose é reconhecida como um estado de “perda de contato com a realidade”.

São tipos de psicose: transtorno delirante, transtorno bipolar, esquizofrenia, entre outros. Entre alguns dos fatores que contribuem para a formação desse tipo de disfunção estão a hereditariedade genética, uso de drogas e depressão.

Em acordo com a literatura do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, algumas das características podem ser:

● alucinações ou delírios, desorganização psíquica que inclui pensamento desorganizado e/ou paranoico,
● descontrole psicomotor,
● sentimentos de intensa angústia e
● depressão e insônia grave.

Na psicose, o indivíduo ao perder o contato com a realidade, duvida de si como sujeito, assim como de seu contexto, comprometendo significativamente as áreas de sua vida e relações sociais. O tratamento de um quadro de psicose, na grande maioria dos casos, necessita acompanhamento médico e psiquiátrico, com prescrição medicamentosa.

Diferença Entre Neurose e Psicose

Na diferenciação entre neurose e psicose, pode-se estabelecer que neurose é um quadro mais brando, comum à maioria dos indivíduos em uma sociedade, suas características sendo apresentadas em acordo com seu meio, religião, relações sociais e estando diretamente ligada a tais contextos.

O termo “psicose” também tem sua etimologia registrada no grego, a partir das palavras “psique” e “osis”, designando respectivamente “alma” e “anormal”. Assim, observada sua etimologia, o termo “psicose” poderia ser lido como uma “disfunção da alma” (por “alma”, neste caso, deve-se entender como “consciência”, ou o eu subjetivo).

Portanto, psicose distingue-se claramente de neurose. Enquanto a neurose é mais branda e não se desprende da realidade; a psicose é uma disfunção de grau mais elevado e potencialmente danoso, estando o indivíduo vulnerável a ilusões, onde a realidade se confunde com delírios.

Assim como a neurose, em casos de psicose, os modos como apresentam-se as características dos transtornos a ela vinculados também estão relacionados com o meio do indivíduo, religião e relações sociais, estando diretamente ligados a tais contextos.

A Analogia Entre Neurose, Psicose e Religião na Psicanálise Freudiana

Foto: Corey Collins

Para Freud, a religião é um mero construto de ilusões e supressão, em alicerce de culpa e penitência. As religiões respondem à desejos do indivíduo, sendo também uma forma de negação e proteção do sujeito que acredita que há alguém zelando por ele e que todos os acontecimentos da vida têm sentido e um porquê. Freud é assertivo ao afirmar que a religião para o adulto é uma resposta infantil frente à sua incapacidade de lidar com frustrações das situações da vida finita, protegendo-se da ideia psiquicamente insuportável de que os acontecimentos da vida, assim como o universo, são regidos por mero acaso.

“Podemos atrever-nos a considerar a neurose obsessiva como o correlato patológico da formação de uma religião, descrevendo a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal.”
Sigmund Freud

Portanto, para Freud, a religião é uma neurose coletiva. Para a Psicanálise, a prática da religião poderá atingir o status de psicose de fundo religioso ao comprometer diretamente outras áreas e relações sociais da vida do indivíduo, infligindo sofrimento clinicamente significativo a ele ou outros.

“[…] a crença religiosa, na medida em que projeta desejos ao mundo exterior e cria ilusões contrárias à realidade, transforma-se, pela ótica freudiana, numa demência de caráter alucinatório.”
Fábio Moreira Vargas, Crença e ilusão: a crítica freudiana da religião

No entanto, ainda na visão da Psicanálise, quando as práticas religiosas não interferem em outras áreas da sua vida ou infligem sofrimento a si ou a outros, a religião pode ser considerada meio de enfretamento e ferramenta do indivíduo para lidar com as frustrações.

“[…] aquilo que o homem comum entende como sua religião, o sistema de doutrinas e promessas que de um lado lhe esclarece os enigmas deste mundo com invejável perfeição, e de outro lhe garante que uma solícita Providência velará por sua vida e compensará numa outra existência as eventuais frustrações desta.”
Sigmund Freud
(citação retirada de
“Por que a guerra? De Einstein e Freud à atualidade” — Editora Essere nel Mondo)

Quadros críticos de neurose e psicose podem ser danosos ao indivíduo e suas relações familiares e sociais quando não tratados. Com terapia e outros tratamentos hoje à disposição através do avanço da medicina, é possível total controle ou remissão dos sintomas de ambos, neurose e psicose, preservando a autonomia e qualidade de vida do indivíduo.

Texto revisado. Originalmente escrito em 2020, durante a formação em Psicanálise Clínica.

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