Por que Freud abandona a hipnose?

A gestação da Psicanálise: da hipnose à associação livre

Amanda Aragão
4 min readFeb 4, 2021

Jean-Martin Charcot, médico francês e grande influência de Sigmund Freud, utilizava a técnica de hipnose para comprovar que sintomas da então chamada histeria eram, na verdade, manifestação física de questões psíquicas, não tendo fundo biológico, nem religioso ou ligação com quaisquer outras doenças orgânicas — fenômeno que futuramente viríamos a conhecer como Somatização.

Josef Breuer, fisiologista que publicaria em parceria com Freud o importante Estudos Sobre a Histeria (1893–1895), afirmava que a cura de um sintoma somatizado só seria possível ao se conversar sobre ele, descobrindo assim a causa original. No entanto, Breuer acreditava que esse tipo de tratamento através da fala só seria possível e eficaz estando o paciente sob o efeito hipnótico, conduzido pelo analista.

Compreendendo os efeitos de sintomas somatizados, é consenso entre Breuer e Freud, que, através do método catártico — no qual o paciente fala sobre seus sintomas e sentimentos livremente — ao expressar sua angústia e por este meio encontrar suas origens recalcadas (ou seja, “escondidas”) no inconsciente, falar sobre elas é a cura para tais sintomas.

Durante seus experimentos de tratamento com a hipnose — em tese, estado em que o(a) paciente não estaria totalmente consciente — Freud percebe que somente as considerações, explicações racionais e lógicas por parte do analista sobre as narrativas expostas durante a utilização da técnica não alcançavam o efeito desejado no tratamento. Ao observar que sintomas tratados pelo mero uso da técnica de hipnose são “curados” apenas provisoriamente, podendo voltar a afligir o(a) paciente depois de determinado tempo, percebe, então, que é necessário algo além para que seja tratada a fonte do problema, não apenas os sintomas.

Freud procura que as pessoas se entendam, não buscando a cura de sintomas simplesmente. Para isso, seria — e é — necessário abandonar a maneira niilista de tratamento dos médicos à época e ouvir seus pacientes.

Nesse sentido, Freud passou a se distinguir de Breuer e Charcot (esse último considerado o pai da neurologia moderna), pois abandona — com críticas — a hipnose (método entre indução e autossugestão), estabelecendo que a associação livre era suficiente para chegar ao inconsciente do paciente, permitindo que esse o faça de maneira consciente e lúcida; abrindo portas para a compreensão mais clara e aprofundada da gênese da questão terapêutica.

Apesar de a observação da hipnose ter sido crucial ponto de partida para as teorias freudianas, Freud passa à percepção de que a técnica não era um meio de tratamento eficaz, tendo apenas efeito placebo ou mero alívio temporário dos sintomas, não a cura de sua causa, que permaneceriam “adormecidas” até que houvesse nova situação gatilho para o ressurgimento de tais sintomas — muitas vezes agravados.

Freud | Katie Hammett Illustration

Para além das críticas quanto à eficácia no uso da técnica, considerava autoritária e arbitrária a posição de vulnerabilidade em que era colocado o paciente, ficando esse submetido ao comando do analista, não tendo papel ativo em seu próprio tratamento.

Para um tratamento psicanalítico adequado e eficaz, o paciente jamais deverá se sentir julgado ou subjulgado em relação ao analista.

No método da associação livre, Freud encoraja suas pacientes, em pleno estado de consciência e lucidez, a dizerem tudo que aparece em suas mentes. Sem censura e sem julgamento, o terapeuta, atento à fala e construção do discurso do paciente, tem como trabalho observar as linguagens do inconsciente, que se mascara no emaranhado verbal do analisando e não se comunica somente através da fala.

Sendo absolutamente neutro, o analista deverá enxergar o que não está sendo mostrado, ouvir o que não está sendo dito, enquanto sua principal função durante as sessões de terapia é fazer o paciente se sentir acolhido e seguro, nunca criticado.

Com a metodologia do diálogo e catarse presentes na associação livre de Freud, os resultados do tratamento analítico passaram a ser mais duradouros, frutos de um paciente em tratamento livre e consciente — fora do escopo da passividade e submissão cognitiva intrínseca à técnica da hipnose (o “transe”).

Muitas vezes equivocadamente chamada de “colaboração” entre paciente e terapeuta, nas técnicas de hipnose usadas em sessões de psicoterapia o analisando está vulnerável e o analista detém o controle sobre ele.

No entanto, o analista deve ser um mediador no desenvolvimento do analisando. Deve haver a troca não somente analista-paciente, mas também paciente-analista, de maneira interligada e ética. Assim, o desenvolvimento, construção e modificação da análise se dá por meio de um processo reflexivo, crítico, autônomo e aprofundado, através de uma abordagem dinâmica, ativa, incentivadora e questionadora. Dessa maneira, o analisando se apropriará de sua própria evolução terapêutica, transformando-a em evolução emocional.

“A saída é para dentro.”

Na associação livre, tendo como ponto de partida a integridade do ser humano, oferecendo a esse a ciência do porquê e como, propósitos e meios da análise a cada sessão, o paciente tem a oportunidade de se ouvir, consciente e crítico, possibilitando seus próprios insights, sendo protagonista na condução de sua melhora emocional e construção do processo terapêutico, em uma verdadeira relação de colaboração analista-paciente; assim, podendo estabelecer resultados duradouros a permanentes.

Texto revisado. Originalmente escrito em 2020, durante a formação em Psicanálise Clínica.

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